sábado, 7 de novembro de 2009

1ª Turma de Gastronomia no Mario Schenberg - 2

Nunca neguei minha preferência pela cozinha tradicional. Quando digo preferência quero dizer que se me for oferecida a oportunidade de escolher entre dois pratos, eu fico com o tradicional. Quando bem elaborado me satisfaz o corpo e o espírito, me leva a uma viagem ao meu passado com sensações só obtidas pelos aromas e sabores. E quando digo tradicional, tenho em mente a comida ancestral, pioneira, camponesa, rústica, típica, de terroir. Eu vejo a comida como a música, tem que ter harmonia, despertar sentimentos, representar uma cultura, uma cosmovisão. Não vejo graça na pura articulação de elementos, nas tentativas de combinação nem nas substituições sem fundamentos. Mas isso não me impede de experimentar coisas novas a todo momento, como que para provar a mim mesmo que não adianta reinventar a roda; e às vezes quebro a cara e cedo um lugar de honra ao novo e ao insólito.



Dito isso, vou tentar reproduzir minhas sensações na degustação do cardápio da turma da Mario Schenberg. O Couvert foi chamado de "Trio litorâneo": Canapé de banana (pão de mandioca, azeite de dendê, creme cheese e geléia de pimenta), Vol-au-vent de creme de mandioca e camarão, e Pastel de carne de siri (massa de mandioca).
O canapé era agradável ao paladar. Não senti a presença da geléia de pimenta nem o sabor do dendê. O pão de mandioca tinha sabor delicado mas parecia torrada pois estava um pouco seco. O tom foi marcado pela banana e pela pimentinha rosa que quase dominou o sabor do canapé.
O vol-au-vent, bem como o suflé e outros ícones da escola francesa, era dispensável como suporte para o creme (quase imperceptível o sabor da mandioca) e o camarão que dominou o acepipe com seu sabor. Mas valeu, afinal estamos no ano da França...
Já o pastel com massa de mandioca ficou bem interessante; o sabor e a maior consistência da massa combinada com o úmido recheio de carne de siri animaram minhas expectativas quanto ao que viria a seguir.



Entrada fria: Salada tropical ao molho de maracujá. Sem considerações a não ser o detalhe de sub-cascas de mandioca em tiras com a pretensa preocupação de reaproveitamento. O sabor amargo é bem-vindo no conjunto de folhas e frutas, bem como sua textura que lembra a da cenoura e da beterraba cruas. Só fico pensando no trabalho para limpar a casca para poder reaproveitá-la.

Entrada quente: Purê nordestino (carne seca, abóbora, mandioca e xerém). Servido em camadas, foi uma grande sacada do pessoal. A abóbora levemente adocicada transformou o "escondidinho" numa entrada armorial, terroir nordestino clássico. Estava tão bom que esqueci de fotografar.



Prato principal: Badejo a moda brasileira. Dos peixes da costa brasileira, este é um dos mais saborosos em minha opinião. Servido dentro de uma cestinha de folhas de bananeira, foi o ponto alto do jantar. O tempero delicado e com um leve toque de gengibre, notado imediatamente pela Cris que estava ao meu lado, o badejo foi saboreado com um prazer especial, o prazer que sentimos depois de uma manhã de sol na praia, quando tomamos um banho de água doce para almoçar e sentimos aquele frescor da brisa, do cheiro do mar... A arroz com castanhas do Pará e o alvo pirão deram o suporte necessário. Se este prato estivesse sendo servido em um restaurante, iria voltar neste fim de semana para comer mais.



Ufa! Ainda tem a sobremesa. Não sou de doces mas não poderia fazer esta desfeita! Surpresa de tapioca com calda de goiaba. Eu tenho poucas restrições alimentares e uma delas é o côco; me dá alergia. E esta sobremesa tinha o dito cujo. Então só um pouquinho para ver se está bom e... acabei comendo tudo. É por que adoro goiaba e a sobremesa estava no ponto certo de açucar: pouco. Eheheheh

Para acompanhar o jantar foi servido dois tipos de vinho: um Chardonnay do Vale do Maule - Chile e um artesanal feito pela família de um aluno do grupo. O varietal chileno utilizando a "rainha das uvas brancas" foi servido na temperatura correta, tinha coloração amarelo palha, elegante, equilibrado, com toques de frutas tropicais e especiarias que harmonizou perfeitamente com o cardápio.
O vinho artesanal elaborado pela família Facioni em Cotia - SP, possuía somente 11% de teor alcoólico e não utilizava cepas vitiviníferas; foi elaborado com Niágara branca. De coloração castanho-avermelhado (foto no início do post) e aroma extremamente frutado, lembrou o vinho doce (e põe doce nisso) de São Roque, só que este era seco. Na boca tive dificuldade de verbalizar o que eu sentia; muito acido? muito amargo? meio doce? Não sei. Talvez estivesse um pouco oxidado e deixou um persistente retrogosto de metal na minha boca. Com todo o respeito pelo trabalho deste aluno e sua família, não posso deixar de pensar que para um sommelier, esta experiência seria como colocar fones de ouvido à toda altura, para que um regente de orquestra ouvisse uma faixa de Heavy Metal. Inesquecível.



Parabéns para a turma e se puder estarei na próxima quina-feira quando a noite será de comida do sul da Itália com o tema Sicília.

Veja a primeira parte clicando aqui.

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